Não foi pelos meus pecados que Ele morreu, foi por Políticas Públicas

Já estou sentindo cheiro de polêmicas no ar. Não tem problemas é para isso, que serve a imprensa, dizer coisas verdadeiras a partir de outra perspectiva. Hoje (sexta-feira santa) de norte a sul do mundo, onde estão as comunidades cristãs, se comemora o dia da Paixão e Morte de Jesus Cristo Libertador e Salvador. Na grande maioria das pregações se ouve, aos gritos: “essa cruz é consequência dos nossos pecados”; “foi por você, pela sua infidelidade, que O pregaram nesta cruz”. Não digo que não tenha sido também por isso, mas vamos combinar, que Jesus não se deixou pregar numa cruz porque eu sou um cara mal. Ele se deixou pendurar numa cruz, porque eu e tantos outros, mesmo não sendo lá esses exemplos de santidade precisamos de bem-estar, de saúde, educação, moradia e tudo aquilo que uma pessoa tem direito a ter para viver bem.

Na verdade, Jesus Cristo foi pregado na cruz, porque sem medo e sem nenhum pudor, gritou a quem quis ouvir, que não é justo, que os doutores da lei, os sacerdotes do templo, os comandantes romanos vivessem de um jeito, todos protegidos, em mansões e bem alimentados e o Povo vivesse perambulando pelas ruas da miséria e da fome. Foi o seu jeito de denunciar, que já não se pode mais tratar a Mulher como humano de segunda categoria; a sua ousadia em se fazer Rabino e frequentar as periferias sociais, onde perambulam prostitutas, esmoleiros, bêbados, deficientes de todo tipo. A sua incauta atitude de comer e se misturar com pecadores lhe custou um preço muito alto, que só se reservava aos piores inimigos do Amigo dos amigos.

As narrativas evangélicas estão repletas das causas, que levaram o poderoso Profeta de Nazaré à morte. Duas delas bem presentes são: as bem-aventuranças ( Mt 5,1-16) e os julgamento das nações (Mt 25,31-46); depois, todos os seus atos representaram uma ameaça ao regime, que visava somente o bem-estar de alguns em detrimento do sofrimento e a morte de muitos.

Ele não morreu porque eu peco. Ele morreu, porque eu sou mais um daqueles que não faço nada ou quase nada para que os direitos à vida sejam respeitados. Ele morreu, porque começou a fazer e fazer bem aquilo que nem o estado (Roma) e nem o templo (Jerusalém) faziam, mesmo sabendo ser suas responsabilidades. Foi a intervenção social, que derrubou o projeto do Messias. Onde já se viu curar aleijados de nascença, dar visão a cegos, curar pessoas possuídas pelos demônios da mão seca e do fluxo de sangue?

O evangelho narra, que Jesus foi vendido por 30 moedas de prata, mas ele foi trocado por muito mais que isso. Foi trocado por milhares e milhares de homens e mulheres, que nenhum dinheiro pode comprar. Mataram-no para travar a corrente de solidariedade que se tinha iniciado a partir das suas pregações. Caifás mesmo é testemunha disso, quando diz que “é melhor que um só homem morra, que pereça todo o povo” (Jo 11,49-50).

Os gestos de Jesus denunciam claramente, que as Políticas Públicas que o estado romano tanto se orgulhava de oferecer, nada mais eram, que migalhas jogadas aos que se alinhavam com o pensamento do imperador. E para proteger esta conduta, Roma cooptou o templo, oferecendo privilégios e vantagens aos altos dignatários, que mesmo se negando entrar no Pretório para não se contaminarem, jamais renegaram as benesses e as regalias, que este lugar infecto e pagão lhes oferecia como pagamento pelos serviços prestados no apaziguamento do Povo.

Políticas Públicas, não são batalhas partidárias, são os direitos que tem cada cidadão e que devem ser oferecidas e gerenciadas pelo estado de maneira equitativa e justa. Não é um ato que privilegia apenas alguns. Quando uma nação se deixa manietar pelos falsos profetas, que exercem a ignominiosa ação de amordaça e de silenciamento dos gritos do Povo, em prol de uma ideologia seja ela qual for, essa nação está em um descalabroso itinerário, que lhe levará a uma decadência sem precedentes, e certamente cairá. Foi o que aconteceu com aqueles, que mataram Jesus. Tolheram a dignidade da população, cercearam seus direitos naturais, ludibriaram os seus espíritos e o tombo foi inevitável, tropeçando exatamente em quem eles mais temiam, a Verdade. Verdade esta que não é uma mera ideologia, mas sim uma pessoa, que mesmo morta assustou muitos poderosos e ruiu e fez tombar um império, que se dizia indestrutível.

Ainda hoje as ruas se enchem por este Brasil a fora, a cada sexta-feira santa, para homenagear um corpo. Se chora, se faz grandes sequencias de atos penitenciais, flagelam-se por causa dos pecados, mas não se muda. O ano que vem temos de novo.

Enquanto a Via-Sacra não for apenas uma memória, a Religião ainda terá muito que andar. Religião não é para calar, Religião é para gritar a verdade, clamando por vida com dignidade e em abundância. Religião é para viver o que o Mestre disse, e o que viveram os seus primeiros seguidores: “não deve haver nenhum mandamento maior que aquele do amor”. Se a nossa religião ainda não abriu os nossos olhos para o amor, essa religião está falhando em alguma coisa. Se a sexta-feira santa é só para perdoai-me e não tiver o Pai Nosso, esse será apenas um dia de catarse para aguentar mais uma temporada sem ressureição. Mas se a sexta-feira santa, for um momento de Pai Nosso, Pão Nosso, assim com nós perdoamos, aí sim, ela será um momento de profunda iluminação, mesmo com seu aspecto tétrico de morte, será o prenuncio de uma Páscoa sem precedência, onde a festa virá e o Povo cantará sem medo, o ETERNO ALELUIA.