Corpus Christi: dos tapetes coloridos da matriz para o chão da realidade das periferias

Graças e louvores se deem a todo momento, ao Santíssimo e Divisíssimo Corpo de Cristo, que neste ano, se fez corpo do Irmão, principalmente dos irmãos que vivem nas periferias.

Em quase todo o Brasil, o dia de ontem (11/06), dia de Corpus Christi, dia santo e feriado, no qual a tradição católica enfeita as principais ruas da cidade, por onde passa a procissão com o Santíssimo Sacramento,  dada ao atual momento que se vive, o chamado “o novo normal”, o que se viu e se viveu foi uma experiência que certamente, ficará gravada na memória da nossa história. Pelas ruas vazias, o Corpo e Sangue de Cristo, o Santíssimo Sacramento do altar, deixa a Matriz, os tapetes, e segue sobre uma condução qualquer para se encontrar com os seus.

Pelas ruas e avenidas empoeiradas das periferias, Ele  vai ao encontro de muitos de seus discípulos e discí pulas, que em outras ocasiões jamais tiveram contato com a sua presença. As mansões e os barracos sem distinção, acompanharam pelas rádios e as mídias, as celebrações do dia, e a passagem solitária do Corpo do Senhor. Neste tempo de pandemia, nos tornamos todos mais iguais. O Corpo de Cristo, se torna corpo real, no corpo de tantos irmãos, que isolados, sofrem as dores de um outro isolamento mais doloroso, a dor de todo tempo não ser considerado digno de se aproximar do Santíssimo, porque a sua condição, a sua vida, não lhes permitem ultrapassar a corda da discriminação, da segregação social, econômica e religiosa, de uma fé, que ainda é privilégio de alguns.

O “novo normal”, nos igualou não pelo topo, mas pela base. O mesmo Santíssimo, que outrora, passava em procissão pelos luxuosos tapetes em um espaço, quase que “privê” de um pequeno grupo que grita: “graças e louvores”, neste ano, surpreendeu, aqueles, que nunca tinham ouvido falar de sua existência, e das suas varandas e ou nos seus terreiros, acompanhavam estarrecidos o Filho de Deus passando em suas portas, sem alarido, apenas com um fundo musical, que se misturava com o ensurdecedor silêncio da cidade deserta.

Neste Corpus Christi, o Filho de Deus e de Maria, se libertou de mãos poderosas, que sempre lhe obrigaram a caminhar entre os grandes, e fez a grande experiência de ver pessoas simples ajoelhadas e com os olhos marejados de emoção e de fé, extasiarem-se com a sua Divina Presença.

Para alguns, acostumados com a pomposa passagem de Jesus por sobre os tapetes majestosos, essa sua ida à periferia pareceu desnecessária, já que não pode ser como sempre foi, não vemos necessidade de sair-se por aí com o Santíssimo, quase considerando isso uma profanação. Todavia, para muitos, essa procissão foi a mais grandiosa. Foi um momento ímpar de reencontro com sua fé e com seu Deus. A passagem do Santíssimo, estabeleceu uma reconexão com aquilo que parecia estar perdido no passado, e de repente, a vida, e até as dores ganham novo sentido. A poeira, e até os buracos das ruas pareciam não ser obstáculos para um momento de refrigério daquelas almas, que há muito pelas circunstâncias da vida, haviam deixado de sentir a música da ternura e da presença.

Passando pelas ruas quase desertas, o Santíssimo Sacramento reconectou-se com a missão pela qual veio ao mundo: “para servir”, “para curar os corações quebrantados”, “restituir aos olhares, aquele brilho, que a desilusão, havia ofuscado”. A sua passagem silenciosa, tocou nos mais profundo da existência e ofereceu um refrigério tão necessário, àqueles que não tinham mais a esperança de encontrar um bálsamo que curasse suas feridas.

Graças e louvores se deem a todo momento, ao Santíssimo e Divisíssimo Corpo de Cristo, que neste ano, se fez corpo do Irmão, principalmente dos irmãos que vivem nas periferias.

Doravante, com a sua passagem, o que parecia não vida se tornará pujante, o que era triste fará ecoar seu canto de alegria, e onde o sentido parecia nunca existir, tudo ganhará novo significado e senso, pois o humano abatido, se divinizou na graça, na força e no poder do Filho do Altíssimo. Quando todo esse momento passar, e os tapetes voltarem, Corpus Christi nunca mais será o mesmo. A memória amou, e caso nunca mais aconteça uma outra procissão tão especial como está, restará sempre a saudade do dia que que o Santíssimo Sacramentou saiu do altar e foi se encontrar com os seus, nas empoeiradas periferias de um Brasil de um “novo normal”.