Paternidade, Ternura e Profecia!

Como é ruim, quando uma pessoa, para ser recebida pelo Padre, deve esperar dias.

Dom Antonino Migliori, Bispo da Diocese de Coxim, no dia 27 de junho de 2021, em Sonora, Mato Grosso do Sul,  em sua Homilia durante a ordenação sacerdotal do Diácono José da Silva, em tom de despedida, falou do Ministério do Sacerdote em de um jeito  paterno, terno e com uma profunda PROFECIA.

Em sua fala, Dom Antonino faz uma verdadeira análise do momento em que se encontra a Igreja e o Ministério Sacerdotal; e ao mesmo tempo, numa grande inspiração, aponta caminhos para quem quer de verdade ser esse instrumento de salvação, o Padre.

Leia na íntegra essa belíssima reflexão, que enriquece a toda pessoa batizada em nome da Trindade, que deseja ser seguidora de Jesus como discípula missionária.                  

Queridos irmãos no ministério ordenado, queridos irmãos e irmãs no batismo, hoje a nossa Igreja diocesana – mais uma vez – é agraciada com a Ordenação Presbiteral de José da Silva.

A nossa ação de graças se eleva ao Cristo, Sumo Sacerdote, pedindo que, junto com o número, cresça também a qualidade na santidade da vida.

A liturgia deste XIII Domingo Comum com o Evangelho de Marcos, nos convida a refletir sobre a fé. Três pontos: A fé –  a fé do sacerdote – a fé em tempo de pandemia.

Antes de tudo, Marcos nos mostra Jesus sempre a caminho  e no meio do povo. São duas atitudes permanentes na vida do nosso Mestre. Ele é um missionário itinerante, vai de um lugar ao outro, procura as pessoas, especialmente os pobres e sofredores, comunica com eles e trata cada um de maneira diferente, partindo da situação de cada um.

Desde o início Papa Francisco nos exorta a sair, para ir ao encontro dos irmãos. E isso será urgente, depois que a pandemia terminar. Estamos perdendo tantos fiéis, não só os idosos, mas também jovens e crianças. Não sabemos quantos deles retornarão. E o que vamos fazer? Esperar? ….. Reclamar?….Julgar?….A pandemia pode ser vista como um sinal dos tempos. Aquela conversão pastoral de Aparecida, que ficou letra morta ou só em pequenos ajustes, ou se tornará realidade ou as nossas igrejas continuarão vazias como hoje.

Jesus, além de estar sempre a caminho, fica próximo das pessoas. No evangelho de hoje, “uma numerosa multidão o seguia e o comprimia”. Se deixa tocar e toca, quando precisa. Isso significa envolver-se com as pessoas. Alguns exemplos:

– ao homem com a mão atrofiada: “Dê-me a sua mão”.

– com o cego “fez uma pasta com a saliva e o pó e depois a espalhou sobre os olhos”.

= com outro cego – “tomou-o pelo braço e o levou fora do povoado”; ao outro: “soprou-lhe na boca”.

– ao jovem morto: “pegou-lhe a mão e o levantou e, depois, o deu a sua mãe.

– à menina de hoje – “a tomou pela mão”.

       Jesus tocava as pessoas. Não se mantinha à distância.

Quando nós padres nos mantemos à distância das pessoas, é como interpor um vidro e falar com o microfone. Isso acontece em várias repartições sociais. Mas isso não faz passar a Graça de Deus.

Tocar e acolher.

A acolhida deve ser fundada sobre a fé, que acolhe em nome de Jesus.

Todas as vezes que acolhemos bem uma pessoa, recebemos uma graça especial e a alegria.

Como é ruim, quando uma pessoa, para ser recebida pelo Padre, deve esperar dias. Será que o padre tem sempre compromissos? Porém o seu primeiro compromisso é acolher.

Acolher bem é evangelizar – está escrito no Documento de Aparecida.

Os padres não reclamam, se o bispo não atende logo? Os fiéis não têm o mesmo direito?

Queridos padres,

Temos que sair da acomodação. É fácil cair nessa. Tudo é desculpa e pensamos que seja a nosso favor. Mas, para quem quer ser servidor como Jesus e Pastor como Ele, não tem desculpa nenhuma. Um dia seremos julgados.

Uma realidade destes últimos tempos,  que pode fazer nos acomodarmos e não acharmos tempo para estar sempre prontos a servir e acolher, é o excessivo CUIDADO de SI. É claro que precisa cuidar da própria pessoa, mas em todos os níveis, mas não só físico, o mesmo cuidado se deve ter com o  espiritual e o cultural.

Estou gostando que vários padres sentem a necessidade de se atualizar com o estudo. É muito bom. Mas, se for chamado para assistir um doente, o estudo não pode ser desculpa para se eximir daquele dever.

Seria mais grave ainda, se o motivo for cuidar de cachorros.

Jesus era humano.

O Papa dizia a um grupo de seminaristas: “Se o seminarista não for humano, não pode ser sacerdote. Então, o padre deve cultivar relacionamentos limpos, alegres, libertadores, capazes de amizade, de sentimentos, de fecundidade”. “Especialista em humanidade”, como dizia São Paulo VI.

Papa Francisco continua falando da RIGIDEZ. “Tem que desconfiar de experiências que levam a intimismos estéreis, de espiritualismos realizadores, que parecem consolar e, ao contrário, levam a fechamentos e rigidez. A rigidez é uma das manifestações do clericalismo. O Clericalismo é uma perversão do sacerdócio. Por trás de toda rigidez existe sempre um problema sério, porque a rigidez carece de humanidade.

A  Fé

O Evangelho de hoje nos dá dois exemplos de fé: Jairo e a mulher. Em ambos, se passa de uma fé (confiança) inicial em Jesus ao encontro definitivo com Ele, como fonte de vida plena. “Sê curada –  a tua fé te salvou”.  E a chama de filha. A mulher procurava só a cura física. Agora é salva, porque reconheceu em Jesus o Salvador.     “Levanta-te”. Jairo estava ajoelhado. Jesus convida-o a se levantar-se, como sinal de ressurreição. Ele, convidado a desistir no pedido, porque a filha tinha morrido, fica firme. Isso é fé.       Contrariamente a estas duas atitudes de fé, entre os presentes, a situação é diferente. Alguns têm fé; outros riem, fazem ironia; outros ficam indiferentes, esperando para ver o que ia acontecer.

 E nós onde nos situamos?

Neste momento todos rezam, para pedir a cura dalgum parente ou amigo. Eu acho que reza também quem nunca rezou na vida. Mas por que Deus nem sempre escuta? Todos dizem que rezam com fé. Mas que tipo de fé? É difícil entender que os planos de Deus não são os nossos?

Jesus, para fazer um milagre, ou encontrava a fé ou a provocava. Foi assim com o cego de nascença. Depois do milagre, Jesus pergunta: “Tu crês no Filho do homem?”. “Quem é, Senhor, para que eu creia”. “É aquele que está falando contigo”. Ele exclamou: “Eu creio, Senhor” e se ajoelhou diante de Jesus.

O nosso Deus não é o deus das falsas seguranças humanas. Não é a fórmula que soluciona todos os nossos problemas. Se assim fosse, seria um deus alienante, tapa-buracos. A nossa fé nele não é fuga nem irresponsabilidade. Seria errada uma fé tranquila, fácil, sem problemas. A fé é compromisso contínuo, exatamente porque crê, apesar das tempestades nas quais é continuamente é posta à prova.

Seria uma falsa fé aquela que buscasse Deus só como consolação individual e solução imediata das dificuldades em que nos encontramos. Em vez de estarmos disponíveis para Deus, estaríamos utilizando Deus para protegermos a nossa segurança.

Ter fé significa abandonar-se em Deus, mesmo quando ele “dorme”. Ele sabe quando e como intervir.

E a fé do Sacerdote?

Deve ser firme e profunda, para sustentar a fé do povo confiado aos seus cuidados. Papa Francisco, falando de São José, diz que “ter fé em Deus inclui acreditar que Ele pode trabalhar mesmo através de nossos medos, nossas fragilidades, nossas fraquezas”. E acrescenta: “não devemos deixar a fragilidade de lado; é um lugar teológico. Os padres super-homens acabam mal, todos eles. O padre frágil, que conhece suas fraquezas e fala delas com o Senhor, ele vai ficar bem”. “O padre é um homem que, à luz do Evangelho, difunde o gosto de Deus ao seu redor e transmite esperança aos corações inquietos”. “Dispam-se de vós mesmos, de suas ideias preconcebidas, de seus sonhos de grandeza, de sua autoafirmação, para colocar Deus e as pessoas no centro de vossas preocupações cotidianas. Para fazer isso, basta simplesmente ser pastor”.

Em  nosso Regional, a nossa preocupação foi sempre esta: formar pastores. Pastores segundo o coração de Jesus, como Ele, único e verdadeiro Bom Pastor.

Neste tempo de pandemia, infelizmente ouvimos falar de padres em crise, em esgotamento, em fechamentos individuais etc.

Uma crise pode ser providencial. Depende como se enfrenta. A nossa pode servir para redescobrir o ministério presbiteral numa maneira mais autêntica. A crise atual, podemos chamá-la “crise da inutilidade”. Tem que descobrir e acolher o valor do “inútil” e a importância de se reconciliar com isso.

Na nossa tradição pastoral, o padre, especialmente o diocesano, é alguém que trabalha, vai de cá pra lá, manda em tudo e decide tudo. Esta  figura de padre foi amplamente superada no Concílio Vaticano II e nos outros documentos recentes do Magistério.

A pandemia nos colocou numa situação de imobilidade. Tantas atividades pararam; tinha que obedecer às normas de externas; o medo de enfraquecer a economia da paróquia tirou o nosso sono etc.

E agora a pergunta: pra que serve o sacerdote?

Trata-se de entrar em outro processo formativo, mais exigente do seminarístico, porque precisa mudar mentalidade e a maneira de agir. Também nisso a pandemia é providencial.

O que fazer, então?

Algumas dicas que podem nos ajudar.

  • Vencer o medo do novo.
  • Ter a coragem de ousar.
  • Recomeçar de novo todos os dias.
  • Aceitar a inutilidade, mantendo um coração aberto a Deus e aos irmãos.
  • Abraçar com alegria a missão do Reino de Deus, encarnando-a no próprio pequeno mundo.
  • Entrar com compaixão nos problemas humanos, confiando em Deus.
  • Sabendo que fomos enviados no mundo e para o mundo, superar a mundanidade espiritual, que, sob aparências religiosas, busca só o próprio ego, poder e glória.

Como última reflexão. O lema que você, José, escolheu é:

PERMANECEI NO MEU AMOR.

Permanecer no amor significa permanecer em Jesus. É necessário permanecer em Jesus para produzir frutos.

Em Jo. 15, o verbo permanecer é usado 7 vezes., para exprimir a união entre o tronco e os ramos., ou seja, entre Jesus e os discípulos. Essa permanência n´Ele é o que define a eficácia da missão.

Somos chamados a permanecermos em Jesus sempre, nas situações adversas, quando há perseguição, injustiças, nas infidelidades que atingem famílias e comunidades.

Permanecer em Jesus, quando tem que fazer uma opção de vida.

Mesmo na aridez espiritual, quando os projetos não dão certo e é preciso recomeçar. Quem permanece em Jesus tem a coragem e a força de se reerguer, quando cai.

Precisa permanece em Jesus, porque sem ele, nada podemos fazer.

José, os dois lemas das suas Ordenações o acompanhem todos os dias da sua vida. “Pai, não a minha vontade seja feita, mas a tua”. “Permanecei no meu amor”. São lindos, mas mais linda ainda será a vivência destas mensagens, porque lhe poderão dar, com certeza, a felicidade.

É o que todos nós desejamos para você.

Aproveito para convidar todos os meus filhos sacerdotes a relerem as homilias das próprias Ordenações e a vivenciá-las, lembrando-se que foram fruto do meu amor por cada um de vocês.