Carta Aberta do CRJP-MS à Sociedade e às Autoridades Constituídas

Campo Grande, 18 de setembro de 2024

 

A Comissão Regional de Justiça e Paz de Mato Grosso do Sul (CRJP-MS), vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), manifesta sua profunda preocupação com a grave situação de violência e violações de direitos humanos que afeta a Terra Indígena Nhanderu Marangatu, no município de Antônio João, Mato Grosso do Sul.

Há quase duas décadas, a comunidade Guarani-Kaiowá aguarda a resolução definitiva do processo de demarcação de suas terras. Desde a suspensão da homologação pelo Supremo Tribunal Federal em 2005, a região tem sido palco de intensos conflitos envolvendo indígenas, fazendeiros e forças de segurança. A falta de uma solução definitiva para a questão fundiária não só perpetua a insegurança jurídica, como também tem alimentado uma escalada de violência que resulta em mortes e sofrimento profundo para as famílias indígenas.

Nos últimos dias, a situação atingiu um novo patamar de gravidade. No dia 12 de setembro de 2024, um confronto entre indígenas e forças policiais deixou vários feridos, agravando as tensões e a insegurança no território. Apenas seis dias depois, em 18 de setembro de 2024, outro confronto resultou na trágica morte de Neri Ramos da Silva, um jovem indígena Guarani-Kaiowá de 23 anos, atingido por disparos durante um confronto com a Polícia Militar no território de Nhanderu Marangatu. Este é o segundo conflito em menos de uma semana, em uma região que já contabiliza pelo menos três mortes desde a suspensão da homologação, todas decorrentes diretamente da insegurança jurídica imposta aos indígenas.

A CRJP-MS condena com veemência a violência e a inércia das autoridades públicas em resolver a questão fundiária que está na raiz desses conflitos. A continuidade dessa situação representa uma violação clara dos direitos fundamentais dos povos indígenas à terra, à vida e à dignidade, conforme garantido pela Constituição Federal de 1988 e por tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

A atuação das forças de segurança, frequentemente sob a influência de grandes proprietários de terras da região, tem exacerbado os conflitos em vez de resolvê-los. A comunidade Guarani-Kaiowá denuncia que a Polícia Militar entra na área com base em decisões judiciais que refletem o desequilíbrio de poder na região, onde fazendeiros exercem grande influência junto às autoridades locais. Essa situação revela uma crise que fere profundamente os princípios democráticos e de justiça social que tanto prezamos.

Diante dessa grave crise humanitária, apelamos às autoridades constituídas, desde o Supremo Tribunal Federal até o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, o Congresso Nacional, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, e as forças de segurança pública, que ajam com urgência e responsabilidade para garantir a paz e a justiça. A conclusão imediata do processo de demarcação da Terra Indígena Nhanderu Marangatu é indispensável para pôr fim aos conflitos e proteger os direitos e a vida dos Guarani-Kaiowá.

Além disso, solicitamos que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) investiguem a atuação das forças de segurança na região e assegurem que a justiça seja feita de maneira imparcial, em conformidade com os princípios constitucionais e de respeito aos direitos humanos.

A sociedade brasileira não pode permanecer em silêncio diante de tamanha tragédia. Que o clamor por justiça ressoe em todo o país, e que as vidas indígenas sejam finalmente respeitadas e protegidas. A paz só será alcançada através da justiça, e a justiça exige ação imediata.

 

Pela vida, pela justiça e pela paz,
Comissão Regional de Justiça e Paz de Mato Grosso do Sul (CRJP-MS)