Seminário: Fraternidade e superação da violência contra os povos indígenas

“Obrigado pela vossa presença e por nos ajudardes a ver mais de perto, nos vossos rostos, o reflexo desta terra. Um rosto plural, duma variedade infinita e duma enorme riqueza biológica, cultural e espiritual” (Papa Francisco aos Povos Indígenas)

A Campanha da Fraternidade de 2018 continua em ação, A Arquidiocese de Campo Grande, optou em viver esta experiência, na dinâmica dos GTs (grupos de trabalhos) específicos para refletirem como cada realidade é afetada pela violência. O GT Povos Indígenas, realizou no dia 28/08/2018 um seminário para a reflexão da realidade de violência que assola os Povos Indígenas no Mato Grosso do Sul, e ao mesmo tempo, propor alternativas para a superação da mesma.

Deste encontro nasceu uma carta subscrita por 7 dos 8 Povos que vivem no Regional Oeste 1 e que estavam presentes no Seminário.

CARTA DOS POVOS DO MATO GROSSO DO SUL À SOCIEDADE E AO GOVERNO: “JUNTOS DANÇAMOS, JUNTOS REZAMOS E JUNTOS LUTAMOS”

Participando do Seminário “Fraternidade e Superação da Violência contra os Povos Indígenas” realizado pela Arquidiocese de Campo Grande – MS no Grupo de Trabalho Povos Indígenas (Pastoral Indigenista, CRB, UCDB-NEPPI, CIMI, CRJP, CEBI, Projeto Rede de Saberes) e apoiado pela CESE, neste dia 28 de agosto de 2018, na Universidade Católica Dom  Bosco em Campo Grande, nós, representantes e lideranças de 7 dos 8 povos indígenas do MS – Guarani e Kaiowa, Terena, Kinikinau, Kadiwéu, Guató e Atikum; unidos aos demais povos brasileiros presentes, unimos nossas rezas, tantos, danças, lutas e sonhos para fortalecer nossa resistência e esperança frente ao período de desmontes contra os direitos humanos e indígenas que temos vivido no país.   Neste seminário, encontramos o abraço solidário das Igrejas, das organizações aliadas, dos professores, da universidade, dos movimentos sociais que nos trouxeram a certeza de que não estamos sós nesta busca por paz e dignidade para os povos nativos desta terra.  Denunciamos:   O genocídio que está posto no Mato Grosso do Sul contra cada um de nossos povos, já reconhecido por instâncias internacionais de Direitos Humanos como a ONU e como a OEA, mas que não só é mantido a vistas grossas pelo Estado Brasileiro como muitas vezes é organizado e patrocinado por este mesmo Estado.  O Estado opera contra nós de três formas:   Primeiro: com negligência frente a nossos direitos Constitucionais, Territoriais, Indígenas e humanos fundamentais. Nem mesmo os direitos mais básicos para nossa sobrevivência são garantidos, como por exemplo: possibilidade de água potável,

Saneamento, alimentação, saúde. Quando não agem com negligência agem com integracionismo – desrespeitando nossas especificidades e buscando com um discurso falso de igualdade desconsiderar nossas diferenças.   Segundo: operando ferramentas de massacre contra nossos direitos constitucionais. Os ataques vêm dos três poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário. O Marco Temporal, Parecer 001, PEC 215, PL 490, PL 6818 são exemplos fortes de mecanismos que visam rasgar nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988, fazer retroceder as conquistas que garantimos com muito sangue e luta e ainda garantir aos setores do agronegócio e das empresas a continuidade do saque e exploração dos nossos territórios tradicionais.  Nas bases o Estado através do sucateamento da FUNAI paralisa as demarcações e nos destina a uma vida de acampamentos nos fundos de fazendas ou na beira das rodovias onde nossos vizinhos mais próximos são sempre o medo e a morte.   Terceiro: através do Massacre Físico, colocando as forças de segurança pública e o sistema jurídico a serviço do agronegócio, dos sindicatos rurais, dos setores privados, organizando, e até mesmo participando de ataques contra nossas comunidades.   Desta forma dizemos com tristeza que nosso horizonte e nosso futuro parecem guardar ainda muita luta, muita dor e muito sofrimento. Até que não se mude este cenário será o sangue indígena que continuará a regar a cana, a soja, o milho, toda esta monocultura que gera mais fome do que comida. Enquanto sobre os nossos territórios os exploradores enriquecem, nossas mulheres e nossas crianças continuam sem possibilidade de futuro.   Este desmonte de direitos tem causado muita dor em nós povos indígenas do Mato Grosso do Sul, a não garantia de nossos territórios tem obrigado muitos de nós a migrarem para os centros urbanos em busca de melhores condições de vida. Alguns podem até pensar que estamos na cidade por que queremos ser melhores, mais na verdade o que nos leva a esta realidade é a necessidade de nossos filhos e anciões por políticas públicas como educação e saúde. Na cidade a vida não é nada confortável, somos tratados

Sem nem um respeito às especificidades de cada povo que vive aqui, infelizmente é o que nos tem restado como alternativa. Junto aos nossos Irmãos Atikum exigimos que o Estado do MS honre o compromisso da garantia de uma terra que lhes permita viver como Atikum. Nós os povos originários do MS os acolhemos e consideramos dentro da diversidade étnica de nosso Estado.    Entre nós, queremos destacar com solidariedade a situação do povo Kinikinau que por conta da ação criminosa do Estado, teve todas as suas terras roubadas e sua identidade étnica e cultural negada. Por mais de 100 anos foram forçados a viverem como estranhos em terras “emprestadas” e isso não aceitaremos mais. Exigimos o imediato reconhecimento e devolução dos territórios Kinikinau para que este valioso povo possa recompor sua vida. Nas palavras de Zeferina Roberto, anciã do povo Kinikinau: “Somos como vasos que guardam as sementes do nosso povo para serem plantadas na nossa terra tradicional”.  Todos nós somos sementes, inclusive aqueles que a terra já cobriu, como Clodiodi Aquileu, Simeão Vilhalva e tantos que como Marçal deram a própria vida para que nós pudéssemos viver. Neste sentido exigimos o fim do massacre sobre os Guarani e Kaiowa.  Exigimos também o imediato abandono e arquivamento das teses genocidas do Marco Temporal e do Parecer 001 que querem anular a existência das terras de Guyraroka do povo Kaiowa e Limão Verde do povo Terena, bem como ameaçam todas as terras indígenas no MS.    A vocês da sociedade que estão lendo esta carta, pedimos que reconheçam as nossas lutas e ajudem a proteger nossos territórios que garantirá não só o futuro de nossas crianças, mas sim o futuro da própria humanidade e da nossa casa comum, a mãe natureza. Somos nós a própria Terra.

Guarani e Kaiowa, Terena, Kinikinau, Kadiwéu, Guató e Atikum;